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Inédita reconstituição facial mostra homem com nariz deformado em decorrência de suposta fratura não tratada e nunca antes descrita na literatura especializada (Foto: Cícero Moraes) |
A reconstrução realista da face do imperador é resultado
de um projeto idealizado pelo advogado José Luís Lira, professor da
Universidade Estadual Vale do Aracaú, do Ceará. Ele adquiriu os direitos sobre
uma fotografia realizada em 2012, quando os restos mortais do imperador foram
exumados da cripta localizada no bairro do Ipiranga, zona sul de São Paulo,
para um estudo científico realizado pela Universidade de São Paulo (USP).
Devidamente autorizado pela Casa Imperial do Brasil - cujos representantes, herdeiros
de Dom Pedro I, zelam por sua memória -, convidou o designer Cícero Moraes para
realizar o trabalho de reconstituição.
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Reconstrução feita em 3D a partir de fotografia do crânio do monarca (Foto: MAURICIO DE PAIVA/National Geographic Brasil, cedida por José Luís Lira.) |
De acordo com o escritor e pesquisador Paulo Rezzutti, autor
da biografia 'D. Pedro: a História Não Contada - o Homem Revelado por Cartas e
Documentos Inéditos', não há nenhum registro de que o monarca tenha quebrado o
nariz em vida. Mas quedas de cavalo eram comuns na vida atribulada do
imperador. "Ele teve uma queda feia em 1824. E, alguns anos depois, teve
um acidente ainda mais grave de carruagem na Rua do Lavradio, no Rio de
Janeiro", pontua o biógrafo.
Reconstrução
Lira conta que tomou a iniciativa de conduzir a reconstrução facial do
imperador por admirar sua biografia, de "um liberal para sua época,
defensor do pensamento constitucional em detrimento ao absolutismo então
reinante".
Ele conta que desde 2015 vinha conversando com o tetraneto de Pedro I,
Bertrand de Orleans e Bragança, de quem obteve a autorização para realizar o
procedimento a partir de imagens coletadas durante a exumação do imperador, em
2012. Lira, então, adquiriu uma imagem realizada na época e contou com os
trabalhos do designer Cicero Moraes. "É uma alegria poder fazer com que
todos os brasileiros conheçam a verdadeira face do homem que proclamou a
Independência do Brasil e foi nosso primeiro imperador", afirmou Lira.
O
processo de reconstrução foi um pouco diferente do convencional, já que Moraes
contava com apenas uma imagem. "Entretanto, a superfície que sustenta o
crânio é reflexiva, então é como se tivéssemos duas imagens. Com duas imagens
podemos fazer triangulações tridimensionais e obter pontos importantes do
crânio", explica ele. "O que fiz foi utilizar um doador virtual, ou
seja, um crânio tridimensional de outro indivíduo, e adaptar a estrutura deste
doador ao crânio de Dom Pedro I. Ao final do processo consegui fazer um 'match'
entre a foto e o modelo 3D."
O designer avalia que o imperador "era um homem de
aparência agradável". Mas ressalta o "nariz assimétrico".
"Essa assimetria é bastante atenuada quando a captura da face é feita
levemente pela lateral", sugere.
Gente como
a gente
De certa forma, a face
realista de D. Pedro I pode corroborar mais ainda a noção popular que ele era
um homem muito mais próximo do povo do que da nobreza.
Segundo seu biógrafo Paulo Rezzutti, é essa
característica popular que faz de D. Pedro um personagem tão simpático ao
imaginário brasileiro.
"Porque ele foi, como o caipira diz, 'gente como a
gente, de bunda atrás e nariz na frente'", afirma. "D. Pedro foi tão
escrachado em tudo o que fez que não tem como deixar ao menos de gostar de sua
autenticidade. Ele foi criado nas ruas do Rio de Janeiro, com o povo, gostava
de música e de farra, como qualquer adolescente até hoje. O problema é que ele
foi mulherengo a vida toda e isso deixou marcas profundas na forma como as
pessoas passaram a vê-lo."
Pesquisadores
costumam concordar que o grande legado de D. Pedro I ao Brasil - além, é claro,
da própria independência - foi a Constituição de 1824, a primeira do País.
"Nela, são vistos os ideais liberais de D. Pedro I.
E ela durou até a queda da monarquia, em 1889 - é a Constituição mais longeva
que o Brasil já teve", conta Rezzutti.
"A Constituição de 1824 mostra, de forma explícita,
o seu interesse pela educação no Brasil, em que determinava que ela deveria ser
dada para todos, independente de cor, religião, credo ou posição social. A
criação dos cursos Jurídicos no Brasil, em 1827, foi obra de sua gestão como
imperador do Brasil."
"O maior legado de D. Pedro I para o Brasil foi a
Constituição de 1824", concorda a historiadora Isabel Lustosa, autora de
'D. Pedro I - Um Herói Sem Nenhum Caráter'.
"Apesar de ter sido uma constituição outorgada,
quer dizer, dada pelo imperador à nação, depois dele ter dissolvido a
Assembleia Constituinte em novembro de 1823, adotar uma forma de governo
constitucionalista em um ambiente internacional dominado pela Santa Aliança foi
uma atitude revolucionária. Foi uma constitucional liberal e avançada para o
tempo, incluindo direitos e garantias individuais."
Orleans e Bragança, o tetraneto do imperador, é de
opinião semelhante. "D. Pedro I é o responsável pela nossa unidade
territorial - e também política, psicológica e social. Além da Independência,
também nos legou a Constituição de 1824, que não era casuística como a atual
Constituição Brasileira", diz ele.
Enquanto fazia a imagem de D. Pedro, o designer Moraes
pensava na proximidade que um personagem de tal dimensão tem na vida do
brasileiro. "É como um amigo, um parente, alguém que conviveu com a gente
em parte considerável da vida", comenta, lembrando que imagens do
imperador são mostradas na escola e em produções da cultura pop.
Recentemente, Moraes também reconstruiu em 3D o que se supõe
ser a verdadeira face de São Valentim, o santo padroeiro dos namorados.